quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Porque não ler os não-clássicos?



Sinceramente, não consigo entender como se faz necessário professores,  escolas, críticos continuamente exercitarem o discurso de defesa dos clássicos. Como se os mesmos precisassem.  Todos nós e nossos discursos passarão. Os clássicos, esses ficam. 

Terminado semanas atrás o Decline and fall of the Roman Empire, de Edward Gibbon, quase num arroubo, fruto do êxtase de vencer muitas centenas de páginas, de passar pela história de 15 séculos, tive vontade de anunciar um “nunca mais perderei tempo com nenhum autor já não morto e  muito menos com livros cujos  personagem não sejam fundadores de impérios ou profetas de alguma religião”.

Obviamente, o arroubo perdurou até o primeiro sono.  Afinal, ninguém tem culpa de estar vivo.  E claro, existem coisas aí, vivas e boas. Só que o tempo gasto até achar o trigo no joio é grande.  Com clássico, não tem erro.  E aí volto ao que seria a pergunta mais coerente: porque perder precioso tempo em autores que, na melhor das hipóteses, serão historicamente medíocres? Para mim, a única justificativa é ter esgotado a leitura dos clássicos, o que pouquíssimos em vida  irão lograr. 

Não detalharei as milhares de páginas em que Gibbon esmiúça imperadores, batalhas, intrigas, religiões, seitas, táticas militares, sistemas políticos de romanos, árabes, egípcios, sarracenos, mouros otomanos, persas, sycthios.  Cada página é um primor de estilo, elegância e profundidade. Lembrei-me por exemplo de Senhor do Anéis, muita vezes elevado à "narrativa" de nossa geração. As estorietas de Frodo e amiguinhos, mesmo com toda liberdade criativa, parecem rídiculas quando comparadas com as histórias reais dos imperadores  no Decline and fall of the roman empire.

Em muito mais de mil páginas – uma edição completa com diagramação moderna chegaria facilmente às 2 mil páginas – há praticamente tempo para falar de quase tudo. Depois de finalizada tal leitura, parecer impossível qualquer comentário sobre todos países europeus, norte africano e boa parte da Ásia sem pensar em termos históricos.  Fica difícil ver as religiões do mesmo modo.

A obra de Gibbons é praticamente um guia do que os impérios devem fazer, como nascerão e morrerão. Não tem como deixar de ver a interelação entre o surgimento de um historiador do porte de Gibbons e a ascensão do império Britânico no século seguinte à obra, no século XIX.  O surgimento de gênios não ocorrem descoladas de meios que favoreçam tal. Gibbons conseguir dedicar décadas de pesquisa e escrita é símbolo de um meio social, cultural, que valoriza a História como uma ciência para o presente. Foi com mente nos feitos de romanos, bizantinos, francos, persas, árabes, otomanos que o navegador britânico se lançou em todas direções do planeta construindo, até então, um dos maiores impérios da história. 

O grande o problema depois de ler tal obra é ter que voltar à mediocridade de nossa realidade. E mais triste ainda é ter que se esforçar  muito para se convencer que estamos vendo e vivendo sociedades e civilizações melhores. 

Chega então a parte em que devo cutucar a potência Brasileira. Pode um país pleitear ao posto de potência com o nosso ensino de história, com o gosto pelo histórico disseminado entre os cidadãos?  The declin and fall of roman empire ensinaria alguma coisa bem prática para nós brasileiros. Impérios se constituem sempre com um pé na força bruta; e a força bruta - o exército feroz – só nasce do barbarismo. Talvez resida aí a fonte de nosso pleito a potência e a cadeiras em conselhos de segurança de organizações afora.  

Obs: Agradeço a NET por me permitir terminar esse post. Privado de cabo, internet e telefone, fui obrigado terminar esse post já se esquecendo. De todas maneiras, fica a certeza de um post medíocre, que não consegue resenhar à altura tão clássica obra. 

terça-feira, 20 de março de 2012

Uncle Sam


Esse que era para ser um blog de viagens, estava devendo desde janeiro qualquer espécie de comentário sobre a viagem aos EUA. Esse post, assim, pretende juntar três vontades em um só ato: impressões de um mês na terra do tio Sam e as resenhas de dois livros, Diplomacy, de Henry Kissinger, e O mundo Pós-americano, de Fareed Zakaria.

Os dois livros poderiam ser lidos em sequência, posto que ambos falam, em essência, da política externa americana, Diplomacy cobrindo do século XIX ao início da década de 90, O mundo Pós-americano, a partir da década de 90.

Colocando-os lado a lado, surge inevitavelmente a vontade de compará-los. Mas tal empreitada seria injusta. Diplomacy trata-se de um clássico, de uma obra monumental de um autor, ainda que polêmico, o tempo irá cuidar de reconhecer o brilhantismo.

Henry Kissinger desenvolve uma abordagem única da política internacional, conjugando toda sua bagagem acadêmica de doutor pela Harvard com uma visão prática, oriunda dos círculo mais exclusivo do poder mundial, como Secretário de Estado Americano. Tal encontro entre exercício prático de concepções e análises teóricas são raros na história. Comparação do Diplomacy só deveria ocorrer com algo do porte do Príncipe, de Maquieval.

O mundo Pós-americano é mais pé no chão. Não é brilhante nem monumental. Trata-se de impressões de um indiano americanizado sobre o futuro dos EUA frente a emergência de uma ordem mundial, na qual China e Índia novamente voltam a ter papeis relevantes.

O livro de Kessinger é o resultado de análises únicas, dificilmente superáveis por qualquer outro autor puramente acadêmico. Ao percorrer os grandes eventos dos últimos dois séculos, consegue-se em espaços de linhas sair de uma perspectiva histórica global para entrar em detalhes exclusivos de salas de reuniões em que as decisões históricas foram tomadas. Através de perfis psicológicos precisos de quase todos grandes nomes do século XIX e XX, Diplomacy mostra de maneira inequívoca a aleatoriedade com que a civilização se desenvolve.

Para aqueles que acreditam na inevitabilidade com que as forças históricas moldam os destinos dos países, Kissenger, mesmo não se posicionando por nenhum corrente historiográfica, oferece uma série de descrições no mínimo difíceis de serem rebatidas e das quais pode-se inferir essa aleatoridade . Somente alguém com acesso privilegiado ao poder poderia mostrar com tanto realismo a falibilidade e o aspecto humano dos homens de estado, cuja a história tende a construir como fantásticos e com decisões, digamos, divinas. É chocante perceber o quão subjetiva são as escolhas que definem o destino das vidas de milhões.

Em linhas gerais, Diplomacy mostra como a ascensão dos EUA no cenário mundial representou a introdução de uma nova abordagem diplomática. A balança de poder, a razão de estado, conceitos que regeram o estados europeus no período moderno, foram solapados por um discurso americano universalista, de caráter moral - quase religioso.

Kissinger não o diz abertamente, mais fica a impressão de sua afiliação aos grandes estadistas da idade moderna, como Richeleu, Bismark, Metternich. Tanto que ele explica a política exterior americana, mesmo sempre desenhada sobre linhas morais e defendendo valores universais, sob a lógica dos conceitos clássicos de tais estadistas.

Como americano naturalizado, o alemão Kissinger reconhece a dimensão prática da política americana, mas em nenhum momento duvida da sinceridade com que os valores morais realmente motivaram boa parte das ações dos EUA no século XX.

Para os estrangeiros é muito difícil acreditar nessa sinceridade com que os EUA buscaram disseminar valores universais não egoístas. Pessoalmente, sempre considerei tal discurso hipócrita, quando não, cínico. No entanto, após se conhecer o país, não há como negar uma grande dose de sinceridade nesses desejos.

A primeira vez que comecei a perceber que tal desejo em agir em nome de valores morais universais não era pura baboseira foi ao conhecer o cemitério dos soldados mortos no desembarque no dia D, isso na França. Tal mobilização não consegue ser explicada somente por interesses práticos. Não existia e ainda não existe tal interesse prático americano nas praias da Normandia que justificasse tal quantidade de mortos. O Brasil, por exemplo, nunca conseguira tal mobilização.


Há de fato um impulso moral por trás do poder americano. Fareed Zakaria bem reconheceu a força da sociedade civil americana, além da militar. Tal moral é autêntica e influencia todos segmentos, inclusive a presidência. Kissinger mostra como essa influência definiu a atuação de todos presidentes. Mesmos aqueles que não incorporavam pessoalmente tais valores, eram obrigados a justificar os atos de governo nos termos de morais, mesmo quando as decisões eram fruto da mais pura real politik. Assim, o grande aporte dos EUA na política internacional foi o discurso democrático, fruto de sua sociedade civil, canalizado e expressado por seus presidentes.

Esse idealismo é também um dos aspectos mais bonitos da sociedade americana. Obviamente existem falhas. Mal tal discurso faz com que as falhas sejam apontadas e que exista um desejo autêntico de corrigi-las. No fundo a riqueza americana é fruto desse alto parâmetro moral, guia para a ação de todos cidadãos. Esse é o aspecto mais discrepante entre os EUA o Brasil, não superável em menos de uma geração.

Ironicamente, é justamente o Brasil tema sobre o qual Fareed Zakaria e Henry Kissenger concordam. Ambos não chegam a escrever mais que duas linhas sobre nós. Duas linhas juntando mais de 1000 páginas dos dois livros. Tamanha ausência é sintomática. Podemos acusar ambos autores de parcialismo. Mas, estranhamente, ambos não são americanos nativos e teoricamente, tenderiam a um olhar mais atento às questões para além das terras do tio sam.

Portanto, a ausência do Brasil na análise tanto do passado (Kissenger) quanto do futuro (Zakaria), deve ter uma base material: o Brasil ainda não tem condições de ser uma potência. Muitas vezes nos EUA, pensava que, em teoria, não há nada nos EUA que não tenhamos por aqui. País extensos, riquíssimos em recursos econômicos, com diversidade de etnias; países novos que olham mais para o futuro do que para o passado.

Aí voltamos a que chamamos desse alto parâmetro moral, guia dos EUA desde a fundação. O Brasil continua com baixos parâmetro morais, refletidos em baixos índices de desempenho em qualquer área. Somo tolerantes com o erro, com o errado; admitimos com facilidade o não virtuoso. O Brasil e os Brasileiros nunca quiseram ser os melhores. Como diria Tom Jobim - pelo menos, atribui-se o dito a ele - aqui, sucesso é ofensa pessoal.

Os nacionalistas de plantão irão criticar Kissenger e Zakaria por colocarem o Brasil no segundo plano. Mas, se fóssemos mais como os Americanos, aceitaríamos as críticas e trabalharíamos para corrigi-las. O nacionalismo americano foi construído sob a égide de valores universais, que permitiram utilizar o trabalho de várias nações e povos da melhor maneira, em proveito da humanidade. Nas últimas décadas, esse sistema passou por falhas e sofreu críticas válidas. Mas não há como negar que os EUA ainda tem mais algumas décadas de liderança mundial, a não ser batida por nenhum BRIC.

Zakaria mostra como China e India não terão condições nas próximas décadas de bater os EUA. Sobre Rússia, não sei, mas completo dizendo que o Brasil não terá condições no presente século (exceto em casos de guerras nucleares, asteróides gigantes). Arrumar nossa cultura é trabalho de gerações e que tem de começar de alguma maneira. Hoje em dia, não vejo condições endógenas para iniciar esse processo e reverter os ciclos que herdamos de colônia.

Aí entra a importância de um nacionalismo não chauvinista, como os EUA tiveram por vários momentos de sua história. Não se trata de copiar os outros, posto que impossível. Mas de aprender com outros e, principalmente, começar a se nivelar pelo alto. Moral e valores são imateriais. Não há pobreza material que impeça a aquisição de altos valores. País rico não é país sem pobreza, mas sim país com ideia de riqueza.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Brésil, terre d´avenir



Stefan Zweig nunca foi lá muito popular nos países de língua inglesa, ao contrário da Europa continental, onde gozou de bom prestígio, especialmente entre as décadas de 30 e 40. Foi justamente em um desses países, na França, que encontrei uma tradução de suas obras. "Le Brésil, terre d´avenir" não foi exatamente um de seus maiores sucessos. Hoje, no entanto, a obra ganha destaque por tratar de um tema na moda entre as conversas das gentes que pensam o mundo.

Zweig concebeu esse livro no final de sua vida. De família judia, na década de 30 fugiu para a América da crescente loucura europeia, em especial do nazismo nas regiões teutônicas. Depois de um período nos EUA, em 1940 chegou ao Brasil. Aqui, o escritor acreditou ter encontrado o que poderia ser uma alternativa às sociedades europeias, então em franco processo de aniquilação. Ironicamente, em 1942, Zweig se suicidou com a esposa em Petrópolis.

Passados 70 anos, a distância temporal nos ajuda a melhor pesar o conteúdo, o contexto e a recepção da obra, principalmente por parte dos pensadores Brasileiros. No livro, há um bom resgate histórico do Brasil até o início do século XX. Zweig faz, ainda, ótimas descrições de cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador, o que faz a obra se tornar um documento histórico, cujo valor aumenta proporcionalmente com o passar dos anos.

É justamente a capacidade de olhar histórico de Zweig que faz a obra ser de relevância para o pensamento brasileiro. Foi provavelmente ele um dos primeiros a sair da linha historiográfica tradicional tupiniquim. Provavelmente para os leitores contemporâneo não haja muitas novidades. Mas tal deve ocorrer pelo fato de boa parte das análises de Zweig terem sido incorporadas por outros autores posteriores. O autríaco foi provavelmente um dos primeiros a reconhecer a importância de Dom João VI e falar, com todas as letras, que o ano da criação da nação brasileira foi o ano de 1808.

Há ainda outras figuras e instituições relembradas, como o caso dos Jesuítas. Segundo Zweig, foram eles o primeiros a pensar e agir a longo prazo, os primeiros estadistas - mais do que o próprio estado português - a vislumbrar as possibilidades da colônia recém-descoberta.

No capítulo sobre a história econômica, mais uma vez Zweig traz insights enclarecedores. Ali, antes mesmo da obra de Celso Furtado, já se esboça com clareza e riqueza de dados o modelo de ciclos econômicos e mostra-se como eles foram essenciais para a ocupação das diferentes regiões brasileiras.

Os pontos mais problemáticos do "Brésil, terre d´avenir", nascem principalmente da época extremada em que ele foi concebido. Para um pacifista, erudito e judeu deveria ser de fato bastante complicado produzir qualquer material sem uma forte carga subjetiva. Em um contexto de regimes totalitários, quase tudo acabou tendo um sentido ideológica e uma função engajada. Assim, a comparação que Zweig promove não tem hoje em dia a mesma aplicabilidade. De fato, qualquer sociedade, quando comparada com a da alemanha nazista, parecerá em geral mais humanizada. Isso explica, provavelmente, o deslumbramento de Zweig com o Brasil.

Mesmo que estivéssemos também sob uma ditadura, na visão do autríaco, aqui tinhámos o que de melhor poderia haver em democracia racial. Escrevia ele, por exemplo: "Les classes les plus variées s´abordent avec une politesse et une cordialité qui étonnent toujours les hommes d´une Europe cruellement retournée à la barbarie [...] tout ce qui est brutal répugne au Brésilien".

Em parte, podemos atribuir essa visão a uma análise superficial de Zweig. Mas devemos reconhecer também que o Brasil muito mudou nas últimas décadas. Ele mesmo já havia observado que o Brasil, ao contrário de outros países já maduros, se caracterizava pela capacidade de se reinventar rapidamente, com a história não por trás, mas pela frente. Tudo estava sendo criado do zero.

O que o autríaco não poderia prever é como esse processo ocorreria. Em suma, imaginava que o Brasil poderia ser construído aperfeiçoando-se todos problemas que faziam a Europa implodir e explodir na década de 40. Aqui havia uma única língua, não havia uma violência sistemática e organizada contra etnias e religiões, não havia problemas territoriais, mesmo considerando as dimensões continentais, e o principal: aqui, todas raças podiam se misturar livremente.

Sobre todos pontos enumerados no livro, podemos reanalisá-los e classificá-los em três grupos: primeiro, aquilo que Zweig simplesmente se equivocou e romantizou; segundo, aquilo que Zweig analisou corretamente à época, mas que hoje em dia não se aplica; terceiro, aquilo que Zweig acertou.

Sobre a pretensa igualdade de raças, sobre o trato igualitário das diferentes classes, Zweig apenas tinha uma visão superficial e romântica. O estrangeiro não conseguiu perceber o gigantesco desnível entre as classes sociais, uma tensão que era disfarçada sob a cordialidade e a ausência de uma discussão social nacional à época.

Um outro equívoco. "Tout ce que nous appelons aujourd´hui brésilien ou que nos reconnaissons comme tel, ne peut être défini par une tradition propre, mais uniquement par une transformation créatrice de l´européen par le climat, par le pays et ses habitants", escrevia. Mais uma vez, Zweig toma o referencial europeu como o único. Como europeu, ele procurou os traços europeus no Brasil, que são muitos e, de certa forma, aqueles que fazem o Brasil ser o que é na arena internacional, especialmente orientada por valores europeus.

Mas a cultura dos povos indígenas, ainda que não tenha sido a dominante, formou um substrato sob a qual um país aos moldes europeus tentou ou tenta ser erguido. Na língua, na culinária, nas relações sociais e políticas, na persistência de economias de subsistência, em quase todos setores há um variável grau de mescla com as culturas indígenas.

Isso sem contar a influência das culturas de nações africanas, essas, talvez, mais marcantes que as indígenas. Como as culturas dos povos africanos tinham condições plenas de rivalizar com as europeias, muitas vezes a postura do colonizador com elas era muito mais enérgica, no sentido de sufocar, do que era com as indígenas.

Passemos, então, ao pontos cuja análise de Zweig, mesmo que acertada à época, hoje não mais se sustenta. O Brasil deixou de ser uma nação rural, de 40 milhões de habitantes, para ser um país com 200 milhões de habitantes e com uma força econômica, política - diria até mesmo cultural em certos aspectos - emergente no cenário mundial. A complexidade da sociedade brasileira, sob todos os aspectos, aumentou muito. Nesse processo, muito dos aspectos, alguns negativos, outros positivos, estão ficando para trás. A índole pouco belicosa, suave, pacífica, do brasileiro cada vez mais é algo do passado. O Brasil é hoje um dos países mais violentos do mundo, como as estatísticas de mortes violentas não desmentem. Não temos a violência ideológica de grupos organizados como em outros países. O que temos é uma violência quase niilista, fruto da entrada do sociedade de consumo pós-moderna em um nação ainda muito jovem para contrabalanceâ-la.

Por fim, falemos da qualidades que ainda continuam válidas. Continuamos tendo um país com uma língua única e inconteste, um país continental com separatismo irrisório e sem problemas com estados fronteiros. O Brasil continua crescendo, cumprindo a visão de Zweig, independente e apesar de tudo do que digamos ou façamos dele. Não é impossível que viremos uma potência no futuro - muito dizem que é mesmo provável que tal ocorra. Zweig falava mais, na possibilidade, ainda que romântica, de sermos um modelo de sociedade.

Passado mais de 70 anos, adentrando um século em que conjutura histórica se apresenta favorável ao país, a discussão muda de foco. Economicamente parecer ser mera questão de tempo para nos consolidarmos como aquele gigante. Mas quanto a ser um modelo de sociedade para o mundo, para isso ainda precisaremos de mais alguns séculos antes de repetir a pergunta e poder ter uma resposta positiva segura. Escrevesse Zweig nos dias de hoje, dificilmente teria tanta certeza sobre podermos ser um modelo de sociedade. Com a mesma perspicácia que viu os europeus indo para ruína, talvez ele também visse os erros estratégicos que poderão nos impedir de consolidar essa possibilidade de país do futuro.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

La democracia francaise



Do sul indo em direção ao oeste francês, ao Atlântico, continuamos vislumbrados outras peças que formam o hexágono territorial gaulês. Toulouse e respectiva região tem um tempero mais espanhol – catalão, em verdade. Seja pela proximidade, seja pela história, nessa cidade já possível encontrar vários falantes de espanhol, arquitetura meridional, comprar charcuteria catalã nos mercadinhos. A impressão é de uma cidade também bastante musical. Na idade média era famosa por seus trovadores e pela efervescência cultural.

Depois de Toulouse, Bordeaux. Outros temperos, agora mais bretão. A aquitânia durante certos períodos das Guerra dos Cem anos, ficou sob domínio do monarca inglês. Obviamente, trata-se de uma região francesa, mas esse substrato é perceptível quando comparamos a região com outras. A grande concentração de turistas ingleses - nas regiões hoteleiras o francês e o inglês dividem o espaço nas calçadas – não parecer ser um detalhe perdido.

Claro, quando falamos em Bordeaux, todos pensam em vinhos. Mas o interessante é notar que o refino dos vinhos locais é conseqüência do modo de ser bordeaulais. A elegância das pessoas nas ruas é algo digno de nota, superior ao de outras regiões e so comparável com os bairros mais luxosos de Paris.

O post inverteu a ordem de visitação das cidades de maneira proposital. Ainda que Marseille tenha precedido Toulouse e Bordeaux, o comentário sobre ela é maior. Marseille está na região de Alpes-Provence-Cote d´Azur. O nome é comprido e já um pouco da idéia das diferenças dentro da mesma região.

A provence é super francesa, no sentido do que os turistas esperam da França. Aix-en-provence, capital da região, é super charmosa e dominada pela áurea de pintores, notadamente Paul Cézanne. Toulon foi a única na Cote d´Azur, mais o clima já era, obviamente dominado pela presença do Mar.

E Marseille. Muitos franceses recomendaram passar pouco tempo nessa cidade. Falavam que era moche. De fato. Comparada com o charme das outras cidades, como Aix-en-provence, Bordeaux, Bensançon. Mas isso nada significa sobre a importância de Marseille e seus quase 3 mil anos de história.

Foi sintomático minha primeira refeição lá: Donner kebab. Um dos clientes fez questão de me dar as boas-vindas. Boa-vinda ao Magreb, frisou. Marseille é a segunda cidade mais importante do que foi todo império e regiões francesas do mundo. Foi ela a intermediária não só entre todo o Norte Africano – Tunísia,Argélia e Marrocos – mas também, desde a inauguração do canal de Suez, o ponto de conexão com todo resto da Ásia, notadamente a Indochina francesa.

O fato dos franceses não gostarem muito de Marseille, acredito, deve-se um pouco ao fato deles não terem domínio sobre a cidade. Em alguns bairros sente-se verdadeiramente no Magreb, com todos fumando, bebendo café, sem bebidas alcoólicas, todos conversando em alto e bom árabe.

Esse choque entre o mundo ocidental o oriental é mais antigo que andar para frente e representa um verdadeiro paraxodo para a democracia a Francesa. Há uma forte tensão entre esses dois mundos e difícil é achar um modo de conciliá-los.

Os franceses reclamam que os árabes não assimilam os valores da república francesa, extremamente caros a todos cidadãos franceses. Cabe aqui explicação. O tempo atenua tudo. Assim, talvez seja difícil visualizar e sentir o impacto que foi a revolução francesa. Quando pensamos que eles foram o primeiro povo a matar o próprio rei em nome dos direitos de cidadãos - lembremos que boa parte da Europa ainda mantém seus reis vivos ainda – começamos a ter idéia do que foi essa revolução. A indepedência Americana, ainda que tenha certa influência, nem de perto foi tão dramática e tão forte.

Os franceses tem consciência de quantas cabeças rolaram em nome da igualdade, fraternidade e liberdade. E por isso dá para dizer que esses valores são encontrados no dia-dia por lá. A igualdade e liberdade não são só, como no Brasil, obrigar todas pessoas a comparecer a cada quatro anos em um colégio caindo aos pedaços e digitar uma seqüência de dígitos sem nenhum significado.

Obviamente a França tem classes sociais, ricos e pobres. Mas distância entre elas não é um abismo. Todos aqui tem o direito, e quase de o dever, se vestir bem, de ter elegância, por exemplo. Esses não são atributos exclusivos da nobreza. Talvez isso fique mais evidente quando pensamos na questão de gênero aqui. Não há separação clara, definida entre o que do universo exclusivo masculino e feminino. Um homem continua homem, mesmo se cumprimente seus amigos com beijo e goste de jardinagem. Uma mulher carregará as malas sozinha e fumará uma palheiro no meio da rua.

Em um restaurante, também temos os valores presentes. Muitos acreditam que há uma grande hipocrisia nisso tudo dos merci, dos bonjours. Claro, em muitas situações eles são formais e mecânicos; mas em muitas situações percebe-se sim um sentimento autêntico, um desejo fraterno para que seu dia realmente seja bom, para que você de fato saboreie com gosto a sua refeição. Muitos dos pratos não são nada mais do que a disposição geométrica de ingredientes. O cliente tem toda liberdade para arranjá-los e consumi-los como bem entender.

Voltando ao ponto, quando colocamos duas culturas fortes, como a Francesa e a moura ( na falta de um termo melhor) lado a lado, temos uma questão complicada. Ambas fazem pequenas concessões. O jeito dos franceses tomarem café e o jeito dos homens se cumprimentarem, com beijos, só podem ser influência moura. Os árabes fazem concessões, aprendem françês, se ocidentalizam. Mas sempre em pequenas doses e à maneira deles.

E em grandes questões, a diferenças continuam gritantes. Lembremos que os mulçumanos não bebem álcool, portanto, não entendem uma grande parcela da cultura francesa. Não são tolerantes com o ateísmo, como a França é (ou teoricamente é), e muito menos com a igualdade de gênero. São problemas inconciliáveis, até mesmo paradoxais. Os árabes, com razão, defendem a cultura deles. É a liberdade de todos serem como quiserem ser. E daí o paradoxo da democracia: deve ser ouvido aquele que pede o fim da democracia?

No fim, os franceses tem a medidade deles para equilibrar a liberdade, a fraternidade e a igualdade. A democracia vira então uma metodologia, algo também muito ao gosto francês. É no mínimo, razoável, que se respeite esse modo Françês, pelo menos dentro da França. O problema ficou mais grave com o passado de imperalismo, de imposição pela força desses ideais. Aí também parece razoável que Argelinos, Marroquinos, Tunisienses sejam respeitados, dentro do seus países. O bom e velho princípio da autodeterminação dos povos.

Entendendo isso, finalmente entendemos a façanha cultural que é Marseille. Ela é um ponto fora da curva, mas soberana, com uma tensão constante, com a beleza de ser dois mundos em um só.

Obs: Escrito em 12/11/2011

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Sur le point d'avignon

Passaram-se alguns países desde o último post – Bélgica, Holanda e, porque não, Alsácia. As histórias e as percepções se avolumaram de maneira bastante expressiva de forma que este será um post bastante comprido. Expliquemos. Estou nesse momento em Avignon, cidade ao sul da França, famosa por ter um papa rebelde. Aqui estou encontrando o ambiente e o tempo para escrever.

Entre Avignon e Paris, foram as seguintes cidades: Brugges, Bruxelas, Roterdam, Amsterdam, Utrecht, Strasbourg, Besançon, Dijon e Lyon. A idéia não é entrar em muitos detalhes, mas sim no fatos que marcam cada uma das cidades.

Brugges mereceria um post especial, com o título “De como as más traduções destroem filmes fodas”. Fui a essa cidade ao norte da Bélgica, na região flamenga, essencialmente porque vi no ano passado o filme “In Bruges”, esse, que desde então, é um do meus filmes favoritos no mundo. Depois de conhecer a cidade, tenho sérias dúvidas se ele não passou a ser meu filme favorito. Brugges é algo congelado no tempo, nas penumbras noturnas da idade média. Em qualquer momento do dia se sente a imponência dos sinos, sejam eles religiosos, sejam eles da prefeitura histórica da cidade, símbolo da emancipação do homem e do começo do capitalismo.

Sim. Depois das cervejas – provavelmente as melhores do mundo – o que mais vale a pena em Brugges é acompanhar a sinfonia de sinos. Vale lembrar que os sinos eram o relógio medieval. Regulavam a vida de todos e simbolizavam o poder da Igreja Católica. Brugges foi uma das primeiras cidades em que as guildas comerciantes se emanciparam, no modelo das cidades livres. E o maior símbolo dessa independência foi construir o prédio mais alto da cidade e controlar o tempo. Algo bastante diferente do que veremos em Strasbourg, por exemplo. Mas entraremos depois em detalhes sobre a catedral de Strasbourg.

A viagem continua para Bruxelas. Continuamos tendo as belas, maravilhosas cervejas belgas mas constatamos alguns pontos sobre esse país ambíguo chamado Bélgica. Bruxelas poderia ser sim uma cidade na França. Mas não seria tudo. Aqui, como em todo país, você nunca tem certeza de qual língua deve ser utilizada. Francês, Flemish, Holandês, Inglês... uma verdadeira bagunça lingüística, completada pelos órgãos do “estado europeu”. Em bruxelas o que valeu a pena foi conhecer o prédio do Conselho Europeu, o poder executivo da União Européia.

Oficialmente, a EU tem 23 línguas. Simplesmente bizarro. Todo documento deve ter versão nessas 23 línguas. Tradutores e juristas, imaginem o tamanho da encrenca. Mas o que os caras estão tentando fazer – o velho sonho de unificação da européia, tentando por tudo mundo desde os romanos – é realmente digno de nota e com certeza, histórico. É exatamente isso que vale a pena ver em Bruxelas: a história sendo feita.

Depois da Bélgica veio a Holanda. Pausa. País deveras único. A primeira impressão é de uma Alemanha, canteiro de obras, tudo sendo feito novo depois de guerra. Linhas retas em todos os cantos que os olhos buscarem: nas linhas de trem, nos jardins, na disposição dos guindastes, nas nuvens no céu, geradas pelas turbinas de vários jatos.

Mas a Holanda não é a Alemanha porque eles são um porto, um pouco como algumas regiões ao norte da Bélgica. Mas ao contrário do vizinho, os Batavos tem um ligação muito forte com os países nórdicos. O resultado é que a Holanda continua sendo o berço e a principal fonte do liberalismo no mundo. Isso no sentido filosófico. Na Holanda, o individuo tem que ser bastar por si mesmo, algo que latinos e provavelmente boa parte do mundo têm dificuldades de compreender. Aqui, o ser humano desfruta da liberdade, com suas conseqüências naturais. Não espere a condoloscência, o paternalismo, o maternalismo: aqui, o individuo tem que ser original, único e se garantir por si mesmo.

Penso que a fonte desse pensamento é o fato da Holanda, desde a idade média, ser um porto e ter que conviver com todas diferenças possíveis do mundo. Quando colocamos lado a lado um indiano vegetariano, um marinheiro inglês, um motorista armênio, um cantor jamaicano, um luterano alemão, começamos a ter idéia do tamanho da encrenca que é o mundo. Os holandeses resolveram inventando o liberalismo: seja o que você quiser, venha aqui vender o quiser, desde que você não me incomode na volta do trabalho para minha casa.

A Bélgica teria um bom potencial para ser mais como a Holanda, não fosse a força da cultura francesa, que implica em um formalismo de maneiras maior. No fim, no entanto, Bélgica e Holanda são portos, pontos no meio daquilo que é, e sempre será, o motor, a origem de todas dinâmicas políticas, econômicas, culturais da Europa continental: França e Alemanha.

Quando começamos a entender essa dinâmica – que simplesmente explica a toda história européia depois dos romanos – entendemos a importância de uma cidade como Strasbourg. Ela não sabe se é Francesa ou Alemã. Como Bruxelas, foi eleita como um dos símbolos dessa EU.

Strasbourg é a capital da Alsácia, região que de século em século parece mudar de dono: às vezes é independente, às vezes francesa, às vezes alemã. No fim das contas, os habitantes da região preferem falar que são alsacianos. E assim eles evitam o desgaste de maiores explicações. Realmente é muito difícil dizer se eles são mais alemães ou mais franceses. Um alemão dirá que eles são franceses; um francês dirá que eles são alemães.

Strasbourg valeria a pena somente pela catedral, provavelmente uma das mais singulares do mundo. Pelo menos no quesito altura ela ganha tranqüilo: nela, o verticalismo gótico encontra o seu auge. Em Strasbourg, há também o Parlamento Europeu. Mais uma vez, a comparação entre Strasbourg e Bruxelas não seria injusta. Ambas são essa coisa mestiça entre o mundo francês e o mundo germânico. A diferença é sutil entre a quantidade dos ingredientes e alguns pequenos temperos.

Depois de Strasbourg, um pouco cansado de todas essa bagunças, comecei a procurar algo mais simples, mais francês puro. Meu projeto inicial seria algum dias em Dijon, o que teve ser modificado por alguns dias em Besançon. Devo dizer que a troca não foi desvantajosa. Besançon é capital da Franche-Comté, uma região que - voilà – também está no limite entre França e Alemanha, mas já puxado para uma mistura suíça, temperada com montanhas.

A diferença é que em Besançon eles tem mais clara a identidade Francesa, posto que a região sempre foi palco de várias batalhas, ultimo bastião de defesa do mundo francês. Mas essa pretensa identidade mais pura Francesa, começa a revelar um substrato mais antigo: dos italianos. Em Besançon as duas culinárias, por exemplo, dividem o espaço de maneira mais cerrada que em outras regiões ao norte. Simbólico ou não, o monumento mais antigo preservado é um arco do início da era cristã erigido em homenagem ao imperador Marco Aurélio. Restícios do período Gálio são poucos.

Indo para o sul reencontramos o sol. Não falo exatamente de Lyon, onde pouco fiquei e me emprestou uma impressão industrial. Nem de Dijon, uma cidade que poderíamos realmente dizer mignon. O incrível é como a França se mostra multifacetada no espaço de poucas horas. Talvez seja esse o segredo francês: uma terra de passagem – carrefour - de várias culturas. Falta ainda ver as regiões próximas da Espanha e da Inglaterra. Mas fica a certeza que a França é um país apaixonante.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A tale of two cities

Para muitas pessoas não parecerá inevitável, mas para mim a é a comparação entre Paris e Londres. Tal justaposição, que já teve conotação e denotação de briga, é antiga, muito – e de forma muito melhor – já foi escrito e discutido, com pelo próprio Charles Dickens.

No entanto, meto-me na discussão, mais com o intuito de organizar as minhas próprias impressões particulares de mero turista. Comecemos pelas semelhanças. Ambas tem portes semelhantes (cerca de 10 milhões de habitantes). São mais que simples capitais dos respectivos países: são internacionais, globais, mundiais. São hubs logísticos quase equivalentes. Por exemplo, o Heathrow ganha em passageiros, o Charles de Gaulle em cargas; o metrô londrino ganha em extensão, o parisiense em número de estações. São referências em moda e luxo, provavelmente tem os terrenos mais caros do mundo.

Cheguemos às propaladas diferenças. A capital inglesa tem um impacto político econômico um pouco maior enquanto capital francesa ganha no terreno turismo. Se Londres ganha como no quesito “mais capital do mundo”, Paris provavelmente ganha como capital européia no sentido de exercer um maior fascínio nos visitantes do velho continente. Também pudera. É ligeiramente mais bonita. Paris tem um charme, um orgulho próprio diferente de Londres. É mais mignon.

Londres tem em sua vantagem o fato do Império Britânico ter sido maior – aquele no qual o sol nunca se punha – em comparação aos sucessivos impérios e repúblicas francesas. E, obviamente, o fator chave para o maior nível de internacionalização de Londres é a dispersão do inglês como língua franca mundial. Ressalta-se que tal feito tem que ser irmanamento dividido com os EUA. Não fossem os últimos, o inglês e o francês ainda estariam disputando ainda hoje um jogo bastante acirrado por uma liderança apenas simbólica. De fato, não haveria nenhuma língua franca mundial.

E vai por terra o primeiro mito, o de que os franceses não falam inglês. E aqui vai outra semelhança não esperada: a facilidade de comunicação em Paris e em Londres são muito próximas. O turista em Paris com algumas poucas palavrinhas mágicas em Francês, inglês intermediário, cortesia e simpatia não terá grandes dificuldades. Londres obviamente não exige francês, mas ao mesmo tempo decepciona todos aqueles que acreditam arranhar um básico ou até mesmo um intermediário em Inglês. Experimente ter que explicar o seu destino para um taxista em cockney. Nem mesmo americanos conseguem. Na outra mão, o franceses, cumpridos os requisitos formais do bonjour, s´il vous plâit, irão prontamente socorrer o turista perdido em inglês

Em ambas cidades, saindo das zonas turísticas, a língua se torna uma barreira. No final das contas, em ambas capitais, o sucesso do turismo dependerá da capacidade de cortesia e evitar os horários típicos: metrô das 17h às 19h, almoço ao meio dia entre outros, por exemplo. Ambas capitais querem os turistas, mas não querem eles atrapalhando a rotina de seus habitantes.

Feita a consideração sobre as línguas, que leva a um quase empate no quesito comunicações, tratemos das duas famosas diferenças: música e culinária. Aqui cabe dizer que temos que nivelar pelo alto. Mesmo que a música de Londres e culinária de Paris sejam campeões unânimes e inquestionáveis, a música de Paris e a culinária de Londres são também ótimos segundo melhores.

Em resumo, Paris representa a vitória do mundo latino sobre um substrato franco gaulês enquanto Londres representa um mistura indefinida de latinos, celtas, anglos, saxões, indianos e todo resto do mundo. Mesmo que o urbanismo parisiense seja muito mais marcado pela linha reta, em todo resto, vemos um maior nível de passionalidade, que representa um maior grau de incerteza e, portanto, também jazz.

É entendendo essa passionalidade que chegaremos ao que é a culinária francesa: ao entrar em um restaurante, você está entrando no coração do cozinheiro. É possível que seja uma relação pago e recebo. Mas dessa maneira nunca se conseguirá desfrutar do prazer que é um repas francês. É necessário conversar com o garçon, elogiar, perguntar, questionar os pratos, as possibilidades de combinações, a melhor sequência. Londres não tem necessariamente a mesma passionalidade, posto que tão multifacetada o que gera um padrão quase amorfo, um não padrão.

Londres é rock, energia, pub. Paris é jazz, requinte, café. Londres é aquele amigo sempre necessário para encher a cara e ter muita diversão. Paris é uma mulher para se apaixonar por, sofrer, mas não querer viver sem.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Expedição ao Centro do Paraná






Que o Brasil é um país novo, continental, cheio de potencialidades, todos já estão cansados de saber. Mas entre saber isso da televisão, de livros, e o conhecer dos grotões não explorados há uma enorme distância. As aulas de história vêm à cabeça: o Brasil ainda está sendo colonizado.

Saindo da região superpopulosa da faixa litorânea do território nacional, começamos encontrar uma vastidão de terras inabitadas. E não falo dos territórios amazônicos. Falo do centro de um estado no sul do Brasil, a mesoregião centro-oeste do Paraná. Ali é possível observar ao vivo e em cores a dinâmica de formação do território

nacional: a entrada da cultura, do capital, da lógica do mundo ocidental em uma imensidão amorfa, dispersa.

A energia do movimento colonizador - ainda que intensa no golpe - é insuficiente para colocar em movimento o gigantismo do interior brasileiro. Essa é uma empreitada que somente os estados nacionais tem condições de empreender e que, de certa maneira, já acontece disfarçada entre ações ainda não bem coordenadas entre Federação, Estados e Municípios. A longo prazo existe um grande potencial econômica, mas que nenhuma empresa capitalista teria condições viabilizar sozinha em poucos anos.

Falemos de maneira mais prática. Essa mesoregião do Paraná, assim como muitas outras regiões brasileira já tem na produção da soja o estado da arte mundial posto em prática. Mas repete os mesmos erros da produção açucareira no século XVI e XVII, da produção cafeeira dos séculos XIX e começo do XX: totalmente integrada com o comércio internacional, totalmente separada do meio social cultural econômico da região em que são produzidas.


Toda essa soja produzida vai crua para fora. A soja não faz parte da culinária nacional, não existem pratos típicos, não é processada aqui. Quando comparamos a cultura do trigo com a da soja, percebemos o quão discrepantes elas são. Aí caberia aos brasileiros perceber que a soja pode ser o trigo do novo milênio, poderíamos desenvolver toda um indústria em cima dele, produzir receitas, fazer cerveja de soja. Isso se ficarmos limitados à soja, mas quantas mais culturas poderíamos desenvolver no vastos campos do interior do Brasil?

Saindo do terreno agrícola, existe o potencial turístico. É um pontecial, mas que está muito longe de ser aproveitado. Foz Iguaçu desvia uma parcela do fluxo turístico brasileiro, mas carece de estar integrado a uma rede: o turista que vai a Foz Iguaçu para ver as cataratas, poderia ser direcionado para o interior do estado. Há belas passaigens, possibilidade de roteiros ecológicos, rallys, hotéis-fazenda, rafting, outros esportes radicais, turismo gastronômico (isso se houvesse culinária típica).

Podíamos ainda falar das enormes quantidades de energia renovável, hidroelétrica, eólica; falar do aquífero guarani...

Tudo isso é o potencial. Poderíamos ser uns EUA em termos econômicos. Mas somos o Brasil porque uma região com o potencial como a Centro-oeste Paranaense é justamente aquela que ostenta um dos piores indicadores sócio-econômicos do Sul, compatível com as regiões pobres de todo resto do Brasil. Tudo está para ser feito lá, não há escolas, não há população, o estado brasileiro começa a atingir essa região apenas nas últimas décadas. Há um vasta planalto a ser desbravado, a ser colonizado.

O Brasil pode ser o país do futuro. Com muita imaginação dá para imaginar um país, uma potência do hemisfério sul. Mas para transformar a atual realidade nessas quimeras engendradas pela imaginação há a necessidade de uma dose gigante de trabalho, energia. Coisa que um século de trabalho intenso talvez resolvam.

Não adianta apressar o passo, como alguns políticos querem fazer. O que precisamos é de projetos estratégicos de longo prazo para o Brasil. Uma passo por vez, de maneira sustentada, construindo uma instituição por vez, de maneira organizada. Hoje em dia temos o dinheiro público despejado de maneira atabalhoada por essas regiões. O acerto dessas políticas está em reconhecer a necessidade de se investir no interior do Brasil. O erro está na estratégia de espalhar os recursos sem ordenamento, sem nenhuma lógica de estado. Essa estratégia segue a velha lógica da colonização portguesa “em se plantando, tudo se colhe”. Mentira. O que essa política produziu foram séculos de subdesenvolvimento do Brasil.

O dia que começarmos a pensarmos um pouco mais a longo prazo, arrumar os erros estruturais brasileiros com seriedade (educação, transportes, violência, sistema jurídico), daí sim estaremos criando as condições de crescimento de longo prazo. Só assim poderemos ser de fato essa potência do hemisfério Sul de que falam alguns presidentes, the economists da vida e outros. Sejamos realistas.

Mais fotos: