quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Porque não ler os não-clássicos?



Sinceramente, não consigo entender como se faz necessário professores,  escolas, críticos continuamente exercitarem o discurso de defesa dos clássicos. Como se os mesmos precisassem.  Todos nós e nossos discursos passarão. Os clássicos, esses ficam. 

Terminado semanas atrás o Decline and fall of the Roman Empire, de Edward Gibbon, quase num arroubo, fruto do êxtase de vencer muitas centenas de páginas, de passar pela história de 15 séculos, tive vontade de anunciar um “nunca mais perderei tempo com nenhum autor já não morto e  muito menos com livros cujos  personagem não sejam fundadores de impérios ou profetas de alguma religião”.

Obviamente, o arroubo perdurou até o primeiro sono.  Afinal, ninguém tem culpa de estar vivo.  E claro, existem coisas aí, vivas e boas. Só que o tempo gasto até achar o trigo no joio é grande.  Com clássico, não tem erro.  E aí volto ao que seria a pergunta mais coerente: porque perder precioso tempo em autores que, na melhor das hipóteses, serão historicamente medíocres? Para mim, a única justificativa é ter esgotado a leitura dos clássicos, o que pouquíssimos em vida  irão lograr. 

Não detalharei as milhares de páginas em que Gibbon esmiúça imperadores, batalhas, intrigas, religiões, seitas, táticas militares, sistemas políticos de romanos, árabes, egípcios, sarracenos, mouros otomanos, persas, sycthios.  Cada página é um primor de estilo, elegância e profundidade. Lembrei-me por exemplo de Senhor do Anéis, muita vezes elevado à "narrativa" de nossa geração. As estorietas de Frodo e amiguinhos, mesmo com toda liberdade criativa, parecem rídiculas quando comparadas com as histórias reais dos imperadores  no Decline and fall of the roman empire.

Em muito mais de mil páginas – uma edição completa com diagramação moderna chegaria facilmente às 2 mil páginas – há praticamente tempo para falar de quase tudo. Depois de finalizada tal leitura, parecer impossível qualquer comentário sobre todos países europeus, norte africano e boa parte da Ásia sem pensar em termos históricos.  Fica difícil ver as religiões do mesmo modo.

A obra de Gibbons é praticamente um guia do que os impérios devem fazer, como nascerão e morrerão. Não tem como deixar de ver a interelação entre o surgimento de um historiador do porte de Gibbons e a ascensão do império Britânico no século seguinte à obra, no século XIX.  O surgimento de gênios não ocorrem descoladas de meios que favoreçam tal. Gibbons conseguir dedicar décadas de pesquisa e escrita é símbolo de um meio social, cultural, que valoriza a História como uma ciência para o presente. Foi com mente nos feitos de romanos, bizantinos, francos, persas, árabes, otomanos que o navegador britânico se lançou em todas direções do planeta construindo, até então, um dos maiores impérios da história. 

O grande o problema depois de ler tal obra é ter que voltar à mediocridade de nossa realidade. E mais triste ainda é ter que se esforçar  muito para se convencer que estamos vendo e vivendo sociedades e civilizações melhores. 

Chega então a parte em que devo cutucar a potência Brasileira. Pode um país pleitear ao posto de potência com o nosso ensino de história, com o gosto pelo histórico disseminado entre os cidadãos?  The declin and fall of roman empire ensinaria alguma coisa bem prática para nós brasileiros. Impérios se constituem sempre com um pé na força bruta; e a força bruta - o exército feroz – só nasce do barbarismo. Talvez resida aí a fonte de nosso pleito a potência e a cadeiras em conselhos de segurança de organizações afora.  

Obs: Agradeço a NET por me permitir terminar esse post. Privado de cabo, internet e telefone, fui obrigado terminar esse post já se esquecendo. De todas maneiras, fica a certeza de um post medíocre, que não consegue resenhar à altura tão clássica obra. 

terça-feira, 20 de março de 2012

Uncle Sam


Esse que era para ser um blog de viagens, estava devendo desde janeiro qualquer espécie de comentário sobre a viagem aos EUA. Esse post, assim, pretende juntar três vontades em um só ato: impressões de um mês na terra do tio Sam e as resenhas de dois livros, Diplomacy, de Henry Kissinger, e O mundo Pós-americano, de Fareed Zakaria.

Os dois livros poderiam ser lidos em sequência, posto que ambos falam, em essência, da política externa americana, Diplomacy cobrindo do século XIX ao início da década de 90, O mundo Pós-americano, a partir da década de 90.

Colocando-os lado a lado, surge inevitavelmente a vontade de compará-los. Mas tal empreitada seria injusta. Diplomacy trata-se de um clássico, de uma obra monumental de um autor, ainda que polêmico, o tempo irá cuidar de reconhecer o brilhantismo.

Henry Kissinger desenvolve uma abordagem única da política internacional, conjugando toda sua bagagem acadêmica de doutor pela Harvard com uma visão prática, oriunda dos círculo mais exclusivo do poder mundial, como Secretário de Estado Americano. Tal encontro entre exercício prático de concepções e análises teóricas são raros na história. Comparação do Diplomacy só deveria ocorrer com algo do porte do Príncipe, de Maquieval.

O mundo Pós-americano é mais pé no chão. Não é brilhante nem monumental. Trata-se de impressões de um indiano americanizado sobre o futuro dos EUA frente a emergência de uma ordem mundial, na qual China e Índia novamente voltam a ter papeis relevantes.

O livro de Kessinger é o resultado de análises únicas, dificilmente superáveis por qualquer outro autor puramente acadêmico. Ao percorrer os grandes eventos dos últimos dois séculos, consegue-se em espaços de linhas sair de uma perspectiva histórica global para entrar em detalhes exclusivos de salas de reuniões em que as decisões históricas foram tomadas. Através de perfis psicológicos precisos de quase todos grandes nomes do século XIX e XX, Diplomacy mostra de maneira inequívoca a aleatoriedade com que a civilização se desenvolve.

Para aqueles que acreditam na inevitabilidade com que as forças históricas moldam os destinos dos países, Kissenger, mesmo não se posicionando por nenhum corrente historiográfica, oferece uma série de descrições no mínimo difíceis de serem rebatidas e das quais pode-se inferir essa aleatoridade . Somente alguém com acesso privilegiado ao poder poderia mostrar com tanto realismo a falibilidade e o aspecto humano dos homens de estado, cuja a história tende a construir como fantásticos e com decisões, digamos, divinas. É chocante perceber o quão subjetiva são as escolhas que definem o destino das vidas de milhões.

Em linhas gerais, Diplomacy mostra como a ascensão dos EUA no cenário mundial representou a introdução de uma nova abordagem diplomática. A balança de poder, a razão de estado, conceitos que regeram o estados europeus no período moderno, foram solapados por um discurso americano universalista, de caráter moral - quase religioso.

Kissinger não o diz abertamente, mais fica a impressão de sua afiliação aos grandes estadistas da idade moderna, como Richeleu, Bismark, Metternich. Tanto que ele explica a política exterior americana, mesmo sempre desenhada sobre linhas morais e defendendo valores universais, sob a lógica dos conceitos clássicos de tais estadistas.

Como americano naturalizado, o alemão Kissinger reconhece a dimensão prática da política americana, mas em nenhum momento duvida da sinceridade com que os valores morais realmente motivaram boa parte das ações dos EUA no século XX.

Para os estrangeiros é muito difícil acreditar nessa sinceridade com que os EUA buscaram disseminar valores universais não egoístas. Pessoalmente, sempre considerei tal discurso hipócrita, quando não, cínico. No entanto, após se conhecer o país, não há como negar uma grande dose de sinceridade nesses desejos.

A primeira vez que comecei a perceber que tal desejo em agir em nome de valores morais universais não era pura baboseira foi ao conhecer o cemitério dos soldados mortos no desembarque no dia D, isso na França. Tal mobilização não consegue ser explicada somente por interesses práticos. Não existia e ainda não existe tal interesse prático americano nas praias da Normandia que justificasse tal quantidade de mortos. O Brasil, por exemplo, nunca conseguira tal mobilização.


Há de fato um impulso moral por trás do poder americano. Fareed Zakaria bem reconheceu a força da sociedade civil americana, além da militar. Tal moral é autêntica e influencia todos segmentos, inclusive a presidência. Kissinger mostra como essa influência definiu a atuação de todos presidentes. Mesmos aqueles que não incorporavam pessoalmente tais valores, eram obrigados a justificar os atos de governo nos termos de morais, mesmo quando as decisões eram fruto da mais pura real politik. Assim, o grande aporte dos EUA na política internacional foi o discurso democrático, fruto de sua sociedade civil, canalizado e expressado por seus presidentes.

Esse idealismo é também um dos aspectos mais bonitos da sociedade americana. Obviamente existem falhas. Mal tal discurso faz com que as falhas sejam apontadas e que exista um desejo autêntico de corrigi-las. No fundo a riqueza americana é fruto desse alto parâmetro moral, guia para a ação de todos cidadãos. Esse é o aspecto mais discrepante entre os EUA o Brasil, não superável em menos de uma geração.

Ironicamente, é justamente o Brasil tema sobre o qual Fareed Zakaria e Henry Kissenger concordam. Ambos não chegam a escrever mais que duas linhas sobre nós. Duas linhas juntando mais de 1000 páginas dos dois livros. Tamanha ausência é sintomática. Podemos acusar ambos autores de parcialismo. Mas, estranhamente, ambos não são americanos nativos e teoricamente, tenderiam a um olhar mais atento às questões para além das terras do tio sam.

Portanto, a ausência do Brasil na análise tanto do passado (Kissenger) quanto do futuro (Zakaria), deve ter uma base material: o Brasil ainda não tem condições de ser uma potência. Muitas vezes nos EUA, pensava que, em teoria, não há nada nos EUA que não tenhamos por aqui. País extensos, riquíssimos em recursos econômicos, com diversidade de etnias; países novos que olham mais para o futuro do que para o passado.

Aí voltamos a que chamamos desse alto parâmetro moral, guia dos EUA desde a fundação. O Brasil continua com baixos parâmetro morais, refletidos em baixos índices de desempenho em qualquer área. Somo tolerantes com o erro, com o errado; admitimos com facilidade o não virtuoso. O Brasil e os Brasileiros nunca quiseram ser os melhores. Como diria Tom Jobim - pelo menos, atribui-se o dito a ele - aqui, sucesso é ofensa pessoal.

Os nacionalistas de plantão irão criticar Kissenger e Zakaria por colocarem o Brasil no segundo plano. Mas, se fóssemos mais como os Americanos, aceitaríamos as críticas e trabalharíamos para corrigi-las. O nacionalismo americano foi construído sob a égide de valores universais, que permitiram utilizar o trabalho de várias nações e povos da melhor maneira, em proveito da humanidade. Nas últimas décadas, esse sistema passou por falhas e sofreu críticas válidas. Mas não há como negar que os EUA ainda tem mais algumas décadas de liderança mundial, a não ser batida por nenhum BRIC.

Zakaria mostra como China e India não terão condições nas próximas décadas de bater os EUA. Sobre Rússia, não sei, mas completo dizendo que o Brasil não terá condições no presente século (exceto em casos de guerras nucleares, asteróides gigantes). Arrumar nossa cultura é trabalho de gerações e que tem de começar de alguma maneira. Hoje em dia, não vejo condições endógenas para iniciar esse processo e reverter os ciclos que herdamos de colônia.

Aí entra a importância de um nacionalismo não chauvinista, como os EUA tiveram por vários momentos de sua história. Não se trata de copiar os outros, posto que impossível. Mas de aprender com outros e, principalmente, começar a se nivelar pelo alto. Moral e valores são imateriais. Não há pobreza material que impeça a aquisição de altos valores. País rico não é país sem pobreza, mas sim país com ideia de riqueza.