segunda-feira, 28 de novembro de 2011

La democracia francaise



Do sul indo em direção ao oeste francês, ao Atlântico, continuamos vislumbrados outras peças que formam o hexágono territorial gaulês. Toulouse e respectiva região tem um tempero mais espanhol – catalão, em verdade. Seja pela proximidade, seja pela história, nessa cidade já possível encontrar vários falantes de espanhol, arquitetura meridional, comprar charcuteria catalã nos mercadinhos. A impressão é de uma cidade também bastante musical. Na idade média era famosa por seus trovadores e pela efervescência cultural.

Depois de Toulouse, Bordeaux. Outros temperos, agora mais bretão. A aquitânia durante certos períodos das Guerra dos Cem anos, ficou sob domínio do monarca inglês. Obviamente, trata-se de uma região francesa, mas esse substrato é perceptível quando comparamos a região com outras. A grande concentração de turistas ingleses - nas regiões hoteleiras o francês e o inglês dividem o espaço nas calçadas – não parecer ser um detalhe perdido.

Claro, quando falamos em Bordeaux, todos pensam em vinhos. Mas o interessante é notar que o refino dos vinhos locais é conseqüência do modo de ser bordeaulais. A elegância das pessoas nas ruas é algo digno de nota, superior ao de outras regiões e so comparável com os bairros mais luxosos de Paris.

O post inverteu a ordem de visitação das cidades de maneira proposital. Ainda que Marseille tenha precedido Toulouse e Bordeaux, o comentário sobre ela é maior. Marseille está na região de Alpes-Provence-Cote d´Azur. O nome é comprido e já um pouco da idéia das diferenças dentro da mesma região.

A provence é super francesa, no sentido do que os turistas esperam da França. Aix-en-provence, capital da região, é super charmosa e dominada pela áurea de pintores, notadamente Paul Cézanne. Toulon foi a única na Cote d´Azur, mais o clima já era, obviamente dominado pela presença do Mar.

E Marseille. Muitos franceses recomendaram passar pouco tempo nessa cidade. Falavam que era moche. De fato. Comparada com o charme das outras cidades, como Aix-en-provence, Bordeaux, Bensançon. Mas isso nada significa sobre a importância de Marseille e seus quase 3 mil anos de história.

Foi sintomático minha primeira refeição lá: Donner kebab. Um dos clientes fez questão de me dar as boas-vindas. Boa-vinda ao Magreb, frisou. Marseille é a segunda cidade mais importante do que foi todo império e regiões francesas do mundo. Foi ela a intermediária não só entre todo o Norte Africano – Tunísia,Argélia e Marrocos – mas também, desde a inauguração do canal de Suez, o ponto de conexão com todo resto da Ásia, notadamente a Indochina francesa.

O fato dos franceses não gostarem muito de Marseille, acredito, deve-se um pouco ao fato deles não terem domínio sobre a cidade. Em alguns bairros sente-se verdadeiramente no Magreb, com todos fumando, bebendo café, sem bebidas alcoólicas, todos conversando em alto e bom árabe.

Esse choque entre o mundo ocidental o oriental é mais antigo que andar para frente e representa um verdadeiro paraxodo para a democracia a Francesa. Há uma forte tensão entre esses dois mundos e difícil é achar um modo de conciliá-los.

Os franceses reclamam que os árabes não assimilam os valores da república francesa, extremamente caros a todos cidadãos franceses. Cabe aqui explicação. O tempo atenua tudo. Assim, talvez seja difícil visualizar e sentir o impacto que foi a revolução francesa. Quando pensamos que eles foram o primeiro povo a matar o próprio rei em nome dos direitos de cidadãos - lembremos que boa parte da Europa ainda mantém seus reis vivos ainda – começamos a ter idéia do que foi essa revolução. A indepedência Americana, ainda que tenha certa influência, nem de perto foi tão dramática e tão forte.

Os franceses tem consciência de quantas cabeças rolaram em nome da igualdade, fraternidade e liberdade. E por isso dá para dizer que esses valores são encontrados no dia-dia por lá. A igualdade e liberdade não são só, como no Brasil, obrigar todas pessoas a comparecer a cada quatro anos em um colégio caindo aos pedaços e digitar uma seqüência de dígitos sem nenhum significado.

Obviamente a França tem classes sociais, ricos e pobres. Mas distância entre elas não é um abismo. Todos aqui tem o direito, e quase de o dever, se vestir bem, de ter elegância, por exemplo. Esses não são atributos exclusivos da nobreza. Talvez isso fique mais evidente quando pensamos na questão de gênero aqui. Não há separação clara, definida entre o que do universo exclusivo masculino e feminino. Um homem continua homem, mesmo se cumprimente seus amigos com beijo e goste de jardinagem. Uma mulher carregará as malas sozinha e fumará uma palheiro no meio da rua.

Em um restaurante, também temos os valores presentes. Muitos acreditam que há uma grande hipocrisia nisso tudo dos merci, dos bonjours. Claro, em muitas situações eles são formais e mecânicos; mas em muitas situações percebe-se sim um sentimento autêntico, um desejo fraterno para que seu dia realmente seja bom, para que você de fato saboreie com gosto a sua refeição. Muitos dos pratos não são nada mais do que a disposição geométrica de ingredientes. O cliente tem toda liberdade para arranjá-los e consumi-los como bem entender.

Voltando ao ponto, quando colocamos duas culturas fortes, como a Francesa e a moura ( na falta de um termo melhor) lado a lado, temos uma questão complicada. Ambas fazem pequenas concessões. O jeito dos franceses tomarem café e o jeito dos homens se cumprimentarem, com beijos, só podem ser influência moura. Os árabes fazem concessões, aprendem françês, se ocidentalizam. Mas sempre em pequenas doses e à maneira deles.

E em grandes questões, a diferenças continuam gritantes. Lembremos que os mulçumanos não bebem álcool, portanto, não entendem uma grande parcela da cultura francesa. Não são tolerantes com o ateísmo, como a França é (ou teoricamente é), e muito menos com a igualdade de gênero. São problemas inconciliáveis, até mesmo paradoxais. Os árabes, com razão, defendem a cultura deles. É a liberdade de todos serem como quiserem ser. E daí o paradoxo da democracia: deve ser ouvido aquele que pede o fim da democracia?

No fim, os franceses tem a medidade deles para equilibrar a liberdade, a fraternidade e a igualdade. A democracia vira então uma metodologia, algo também muito ao gosto francês. É no mínimo, razoável, que se respeite esse modo Françês, pelo menos dentro da França. O problema ficou mais grave com o passado de imperalismo, de imposição pela força desses ideais. Aí também parece razoável que Argelinos, Marroquinos, Tunisienses sejam respeitados, dentro do seus países. O bom e velho princípio da autodeterminação dos povos.

Entendendo isso, finalmente entendemos a façanha cultural que é Marseille. Ela é um ponto fora da curva, mas soberana, com uma tensão constante, com a beleza de ser dois mundos em um só.

Obs: Escrito em 12/11/2011

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