quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A arte de viajar

Paul Cézanne

Já dizia o ditado que o melhor da festa é o antes. Às viagens também cabe raciocínio análogo. Pouco mais de um mês do embarque para França, estou naquela gostosa etapa de planejar, pesquisar, imaginar minha viagem. Foi nesse trabalho que me veio às mãos esse A arte de viajar, de Alain Botton. Mais que um guia de viagem, ele é um pequeno ensaio sobre como enxergarmos o mundo.

Professor, escritor, filósofo, o suíço radicado em Londres Alain Botton traz relatos de diferentes viajantes na história recente e as compara com as impressões subjetivas do autor em suas próprias viagens. Uma discussão permeia a obra: a diferença entre a apreensão da realidade pelo artista, pelo viajante e pelo local. Recorrendo a filósofos como Pascal e Nietzsche, Botton relembra da infinita complexidade da realidade e a impossibilidade da sua completa apreensão pelo ser humano. Cada um dos três – o artista, o viajante e o local - busca elementos diferentes na realidade. A mensagem do livro parece ser que viagens, no fim das contas, são para descobrir o que vai dentro de nós mais do que vai fora.

Mesmo que autor tenha esmiuçado como e porque invariavelmente encontramos decepções em destinos que esperávamos promessas de paraíso, o fascínio que o distante exerce sobre o ser humano é uma força imanente. Por mais que nosso racional tente antecipar e calcular com exatidão as circunstâncias da viagem futura; por mais que nos cerquemos de todos relatos e informações sobre o destino, sempre fica uma pontinha de esperança, uma porcentagem mínima, mais possível, de que lá ainda é possível o paraíso que aqui já se mostrou decaído.

Talvez a felicidade seja essa mesma de vagar, sempre alimentar esperanças, sabidas pela razão quimeras, mas necessárias ao coração. Assim, a frase que escolheria do livro, não seria alguma de Buttom – ainda que o estilo do autor fosse até profícuo no cunhar boas passagens. Seria de Baudelaire:


Vagão, leva-me contigo!

Navio, carrega-me daqui!

Leva-me para longe, bem longe.

Aqui a lama

é feita das nossas lágrimas!



Claude Monet


O artista e o viajante são no fundo a mesma pessoa e aspiram ambos às mesmas coisas. É o sonhador do Dostoiévski: vê o muro e pensa, o que há depois dele? Vê a realidade e pensa, é possível outra? O artista inventa um novo mundo. O viajante tenta descobrir um outro mundo. Ambos fogem da lama local, feita de nossas lágrimas.


Mas, para deixar o post mais divertido, vão aqui algumas perólas reunidas no livro:


Huysmans relata que o Duc des Esseintes morava sozinho numa grande vila nos arrebaldes de Paris. Ele raramente saía, para evitar o que chamava de feiúra e estupidez de outras pessoas.


Revolta-me estar de volta a este país maldito onde se vê o Sol no céu quase tantas vezes quanto se vê um diamante na bunda de um porco.

Flaubert, reclamando da França (Normandia, para ser justo)


Na primavera de 1790, um francês de vinte e sete anos, Xavier de Maistre, empreendeu uma viagem pelo próprio quarto, tendo mais tarde dado o seguinte título ao relato do que havia visto: Viagem pelo meu quarto. Satisfeito com suas experiências, em 1798 De Maistre empreendeu uma segunda viagem. Dessa vez, ele viajou à noite e se aventurou a chegar até o peitoral da janela, dando mais tarde o seguinte título a seu relato: Expedição noturna pelo meu quarto.